Em meio às recentes discussões para substituir os vestibulares das universidades federais por um modelo unificado, o Ministério da Educação (MEC) apresentou o projeto "Ensino Médio Inovador" - propondo uma reforma no ensino médio público do País. O programa que foi entregue no dia 4 de maio ao Conselho Nacional de Educação (CNE) tem aprovação prevista para o início de junho. Em entrevista ao Último Segundo, especialistas avaliam a maneira como esse projeto será concretizado e sua eficácia para transformar o ensino público.
O relator do processo no conselho, Francisco Aparecido Cordão, afirma que dará parecer favorável para o projeto com algumas sugestões de reajustes. Para ele, a proposta do MEC de reestruturar primeiramente as escolas que tiveram o pior índice no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2008 precisa ser revista.
"As piores escolas precisam de ajuda. Mas, para executar um papel de estímulo, também investiria nas que obtiveram os melhores resultados", explica Cordão, dizendo que a grande meta do MEC é equiparar o Brasil aos países desenvolvidos. "Precisamos chegar ao nível da Finlândia. As nossas melhores escolas ainda estão longe do nível mundial", afirma.
Para Nilson José Machado, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), até o momento, o plano de ação da proposta é improcedente. Como o ensino médio é responsabilidade das redes estaduais de ensino, e não do MEC, ele defende que é necessário pensar melhor nas condições e no acompanhamento de cada escola.
Para ele, essa preocupação com as escolas piores é demagógica demais. “Precisamos prestar atenção nas que funcionam bem para contaminar as outras. Assim, valorizamos o que temos de bom nas salas de aula". Machado acredita que, com esse formato, a proposta é “improcedente” e parece "condenada para não sair do lugar".
O professor acredita que a classificação das melhores escolas avaliadas pelo Enem dificulta o trabalho do ministério. Para Machado, a situação do ensino não é a mesma em todas as escolas avaliadas. "Não dá para confiar nesse ranking do Enem. Pois, por uma pequena diferença na nota, várias escolas caem de ‘média’ para ‘pior’".
A solução, segundo Machado, para se conseguir um maior diálogo com as escolas é abrir canais de comunicação com ministério e com as Secretarias de Educação. Assim, as escolas poderiam ser atendidas pessoalmente, e não por meio de uma tabela que as classifica. "O ministério precisa entender que cada escola tem uma deficiência, elas não são igualmente ruins", explica.
Aproximação do Enem
Uma das principais propostas do projeto é reestruturar o currículo do ensino médio. Para isso, o MEC propõe distribuir o conteúdo das 12 matérias (presentes no currículo atual) em quatro grupos de conhecimento: "línguas", "matemática", "humanas" e "exatas e biológicas" - aproximando o aluno do novo molde do Enem, com conteúdos que priorizam a intertextualidade.
O relator do CNE acredita que, com essa mudança, o ministério aponta para a direção certa. Segundo Cordão, as escolas precisam trabalhar a maneira como o conteúdo é transmitido para o aluno. "A escola é vista pelo estudante como chata e desinteressante. Um dos objetivos centrais do ensino médio é criar condições para que os indivíduos continuem os estudos nos ensinos superiores".
Partindo desse conceito, Cordão acredita que o ensino médio poderá deixar a condição escola-auditório e se transformar em uma escola-laboratório. "Precisamos de um ensino que desafie o aluno a aprender. Nesses moldes, a escola está no século passado. Precisamos trazê-la para o século 21, para acompanhar os jovens de hoje".
Já para o professor Machado, a ideia de "acabar com as disciplinas que já conhecemos" é uma visão interessante, com mais conteúdo. Porém, ele diz que nada mudará se o MEC tiver apenas o novo Enem como base e não melhorar as condições de trabalho do professor. "Se nada for feito para mudar a realidade docente, o professor continuará ensinando do mesmo jeito. Não se pode esperar que, de um dia para o outro, os professores mudem magicamente a sua prática na sala de aula".
Números do MEC
Segundo dados do MEC, o Brasil ampliou a oferta do ensino médio de forma expressiva. Porém, ainda 1,8 milhões de jovens de 15 a 17 anos permanecem fora da escola. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006 aponta que dos 10.471.763 brasileiros de 15 a 17 anos, mais de 50% dos jovens não estão matriculados no ensino médio.
O acesso ao ensino médio ainda é considerado profundamente desigual entre classes sociais. Dos 20% mais pobres da população, entre jovens de 15 a 17 anos, apenas 24,9% estão matriculados. Já entre 20% da camada mais rica da população, temos 76,3% de jovens estudando.
Quanto à evasão escolar, o MEC afirma que dos jovens que abandonaram a escola 61,6% o fizeram uma vez e 16,7% três vezes. Entre os jovens homens, a principal motivação para a interrupção dos estudos é a oportunidade de emprego (42,2%). Entre as mulheres, a maior causa é a gravidez, com 21,1%.