Para competir no mercado de trabalho, não basta ter uma competência, é preciso ser competitivo, ou seja, estar disposto a reformular e atualizar continuamente conhecimentos, habilidades e atitudes. - Gilson Schwartz, em "As Profissões do Futuro"
Voltado para quem deseja entrar e para quem já está no mercado de trabalho, "As Profissões do Futuro", da coleção "Folha Explica", examina as transformações nas condições de trabalho da "nova" economia, que funciona com base em redes de conhecimento e exige que o profissional esteja sempre disposto a se atualizar.
O livro, assinado pelo editorialista da Folha Gilson Schwartz, está à venda no site da Livraria da Folha e o capítulo de introdução pode ser lido abaixo.
Gilson Schwartz analisa o conflito entre os que apontam um futuro sombrio para a maioria sem acesso às novas tecnologias, e os que apostam num futuro radiante, em que o ócio será mais valorizado que o trabalho, com oportunidades crescentes para todos.
O autor é doutor em economia, diretor acadêmico da Cidade do Conhecimento do Instituto de Estudos Avançados da USP, editorialista e colaborador da Folha desde 1983 e membro do conselho editorial da série "Folha Explica".
Como o nome indica, a série "Folha Explica" ambiciona explicar os assuntos tratados e fazê-lo em um contexto brasileiro: cada livro oferece ao leitor condições para que fique bem informado e que possa refletir sobre o tema a partir de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país.
INTRODUÇÃO
Três palavras resumem a visão que este livro oferece do futuro das profissões: rede, conhecimento e cidadania. As oportunidades de sobrevivência digna estarão cada vez mais condicionadas, em cada sociedade, pelas possibilidades de criação e multiplicação de redes de conhecimento.
Se nunca foi fácil conquistar as condições básicas para ser cidadão, com emprego, renda, saúde e lazer, o desafio torna-se ainda maior ao incluir o acesso ao conhecimento como uma das condições fundamentais para o exercício da cidadania. Mas a Conclusão irá também alertar para o raciocínio inverso: sem uma ampla mobilização que afinal coloque a radicalização da cidadania em primeiro lugar, a busca de conhecimento e emprego pode dar em nada.
É importante registrar também, logo no início, que este livro deixará de lado muitas coisas que não mudam, tanto positivas (profissões antigas que são preservadas mais ou menos intactas, como a de enfermeira ou a de juiz de futebol) quanto negativas (tristes realidades como a exploração do trabalho infantil ou as falsas promessas de democratização e distribuição de renda).
As manchetes de jornais e revistas consagraram a divisão entre 'velha' e 'nova' economia. Mas a distinção tende a desaparecer: simplesmente a nova economia penetra todos os setores da velha economia. Agricultura é coisa antiga? As plantações do futuro terão sementes e chips de controle. Fabricar panos ou toalhas é coisa de tecelão, trabalhador manual? O setor têxtil modernizou-se e hoje exibe os mais sofisticados sistemas de design gráfico e automação industrial. O zelador do prédio era uma pessoa que no máximo consertava um cano ou cuidava dos faxineiros? Os prédios inteligentes exigem zeladores que mais parecem administradores de empresas ou prefeitos. Enquanto isso, surgem novas profissões: coordenadores de projetos, gerentes de terceirização, programadores visuais multimídia, administradores de comunidades virtuais, engenheiros de redes.
Essa economia que está surgindo, totalmente nova ou renovando o que já existe, funciona com base em redes de conhecimento. Portanto, transformar-se num elo de uma cadeia de transmissão de conhecimento é a melhor forma de ficar próximo a um bom emprego.
'Cadeia de transmissão': não basta já ter algum diploma pendurado na parede. Há quem diga que os diplomas deveriam ser dados com prazo de validade, como leite e outros produtos perecíveis. Para competir no mercado de trabalho, não basta ter uma competência, é preciso ser competitivo, ou seja, estar disposto a reformular e atualizar continuamente conhecimentos, habilidades e atitudes. O trabalhador do futuro, seja qual for a sua especialidade ou setor, precisa estar habituado à gestão do próprio conhecimento. E desde os primórdios da humanidade é evidente que sabedoria e conhecimento só se atualizam quando proliferam as relações entre pessoas que ensinam, debatem, experimentam, pesquisam e dialogam.
Depois desta Introdução, que situa o tema numa perspectiva mais ampla, o livro segue um roteiro que vai do mais imediato e concreto ao mais distante e abstrato. Começa com o mercado de trabalho, identificando os vários tipos de transformação por que passa esse espaço econômico. Depois, discute profissões que já existem e têm futuro, assim como outras que ainda não existem mas estão sendo criadas e destruídas com notável rapidez.
Traçados esses roteiros sobre o que muda na realidade, daremos uma guinada completa rumo a questões subjetivas cada vez mais decisivas nos ambientes e nas oportunidades de trabalho: personalidade e caráter são aspectos de um relacionamento cada vez mais complexo de cada indivíduo com o contexto em que luta pela sua própria sobrevivência.
Finalmente, busca-se uma síntese entre os aspectos mais concretos e objetivos e as tendências mais amplas da sociedade do conhecimento, em que o caos parece inevitável. Essa síntese, centrada na constituição de novos projetos de cidadania e luta social, é a dimensão mais difícil e talvez ainda utópica de uma realidade cuja transformação tem primado pela violência institucionalizada, pela destruição de empregos e pela desumanização da vida.
No entanto, a maioria das questões levantadas tem de ficar em aberto. Apontar um futuro negro, de piora nas condições de vida para a maioria enquanto uma minoria tem acesso às maravilhas das novas tecnologias, ou indicar um futuro radiante em que o ócio será mais importante e valorizado que o trabalho, com oportunidades crescentes para todos, são extremos hoje tão válidos quanto qualquer aposta.
A mudança é rápida e sem direção clara: mais que apostar neste ou naquele cenário futuro, este livro procura apresentar as questões como oportunidades. O seu aproveitamento dependerá não apenas do esforço de cada indivíduo para sobreviver com dignidade ou fazer carreiras interessantes e financeiramente recompensadoras, mas de uma luta coletiva em que nem sempre é fácil ou possível distinguir quem ou o que está do lado do velho ou do novo, do progresso ou da reação conservadora, da utopia emancipadora ou da velha tutela autoritária.
O paradoxo dramático da nossa época, tão exigente em competição e competências, é que nem as escolas estão preparadas para esse novo sistema nem as empresas conseguem resolver suas carências de mão-de-obra especializada. Enquanto isso, o desemprego aumenta. Antigamente era o agricultor que ia para a cidade ou o estivador que perdia o posto no porto. Agora são os trabalhadores de 'colarinho branco', que estavam aparentemente seguros em escritórios e burocracias, os que perdem seus postos para robôs, softwares, agentes virtuais e sistemas automatizados de administração de empresas e organizações.
Um olhar mais atento identifica que o desemprego tende a ser mais alto nas populações desprovidas de acesso a conhecimento, informação, educação. Nas populações com grau mais elevado de escolaridade, as opções de emprego continuam se multiplicando, e as empresas só se queixam de falta de mão-de-obra especializada. Ou seja, há nas empresas uma procura por trabalhadores que as escolas estão sendo incapazes de oferecer.
Conclusão: quanto melhores forem as condições de vida e a distribuição de renda no país, ou seja, quanto melhores forem as condições de acesso ao conhecimento, mais gente terá acesso às oportunidades da nova economia do conhecimento, centrada na inovação, na expansão de redes e na ampliação da cidadania.
Ser habilitado nas novas tecnologias (uso de computador, domínio de língua estrangeira, capacidade de atualização profissional permanente) significa ampliar as possibilidades individuais de obtenção de um bom emprego --em qualquer setor. Coletivamente, no entanto, não há solução para o desemprego sem programas (públicos e privados) de distribuição de renda e ampliação da cidadania.
Chega a ser espantoso que o trabalho, ou melhor, o direito ao trabalho, já tenha sido considerado como um dos direitos humanos. Hoje, o trabalho, ou melhor, as condições de trabalho, está sujeito a mudanças em que nem se sabe ao certo o que é direito e o que não é. Para os indivíduos, o número de opções às vezes parece limitado; ao mesmo tempo, fala-se cada vez mais numa revolução do conhecimento que abriria espaços mais amplos de emprego e criação.
Uma linha histórica do 'mercado de trabalho' ilustra como o trabalho e as suas condições mudam ao longo da história: no início, predominava a empresa familiar; veio depois um longo processo de profissionalização, ampliaram-se as oportunidades para quadros médios, as cidades cresceram, impulsionando os serviços; houve em alguns casos excessos, evidenciados em momentos como a crise do petróleo e a crise asiática; mas, de qualquer modo, a globalização e a reengenharia tornaram-se dínamos de uma transformação sem precedentes nas formas humanas de produzir e criar.
Para se orientar no novo mundo, na nova economia, é preciso estar informado a respeito de processos como estes: globalização e reengenharia. A globalização é um fenômeno visível principalmente no universo das comunicações, mas alcança praticamente todos os setores econômicos e culturais em todo o mundo. Por mais que se fale em divisões políticas entre Estados, regiões ou regimes políticos, na prática basta abrir os olhos e ligar a TV para saber que todos os regimes, Estados e regiões estão interagindo num mercado autenticamente planetário, que é desigual e injusto.
A reengenharia (em suas várias formas) é o outro conceito central da nova época. Num dado momento, nos anos 80, a expressão ficou associada à onda de demissões em massa, fusões e aquisições, terceirização, enxugamento de empresas. No final dos anos 90, no entanto, já estava claro que a reengenharia não era uma fase ou moda, mas um modus operandi. Da terceirização (em vez de contratar faxineiros, a empresa demite os faxineiros e contrata uma empresa que presta serviços de limpeza, por exemplo) passou-se à quarteirização (ou seja, empresas que assumiam a função de administrar processos de terceirização). A Internet trouxe muitas novas ameaças (a livraria virtual coloca em risco a loja de tijolo e cimento) que também exigem um redesenho completo das engrenagens da produção, do comércio e das finanças. E que geram mais desemprego.
A tradição cientificista do século 19 encarava a ciência e as técnicas como máquinas de solução de problemas. Mas ao longo do século 20 ficou evidente que a velocidade das transformações tecnológicas acabava na prática por colocar novos problemas, cada vez mais complexos. A complexidade crescente dos sistemas empresariais e sociais destrói empregos mecânicos e repetitivos, mas tende a gerar novas necessidades e funções que serão atendidas apenas por pessoas capazes de perceber e atuar, o tempo todo, conscientes dessa complexidade crescente do contexto.
Re-engenho, ou seja, reposição ou redefinição do engenho - palavra que na origem significa tanto o engenho de cana-de-açúcar do Brasil colonial quanto o talento (os portugueses falavam muito em 'cabedal', em 'engenho e arte'). A engenhosidade reposta de modo permanente, ou seja, a identificação de talentos e o exercício criativo desses talentos. Essas são as chaves, relativamente simples, do sucesso profissional. Fácil de falar, difícil de fazer.
Já no final dos anos 90, todo esse processo começou a ser visto de um modo mais sistemático: globalização e reengenharia seriam na prática reflexos da impressionante emergência em escala mundial de uma economia do conhecimento. Redes de conhecimento, de que a Internet é apenas um entre muitos exemplos, começaram a se espalhar por todo o planeta, redefinindo as relações sociais e o peso das instituições políticas e (o que é mais relevante para quem está querendo entender o futuro das profissões) destruindo disciplinas ou, no mínimo, redefinindo muitas delas, de tal sorte que um engenheiro cada vez menos sabe em que vai trabalhar no futuro.
Não só os problemas tornam-se cada vez mais numerosos, como já não se concebe que a busca de soluções fique nas mãos de um profissional apenas (por exemplo, um engenheiro).
Um exemplo é a construção de uma grande usina hidroelétrica (a forma mais moderna do engenho-d'água). Fatores sociológicos, antropológicos e ambientais terão de ser levados em conta. Hoje é comum, em grandes projetos de engenharia internacionais, em que a obra é financiada por organismos multilaterais como o Banco Mundial, que o empréstimo só seja concedido se uma equipe interdisciplinar der um aval ao projeto. Como as populações serão atingidas? Há tribos indígenas ou outras comunidades na área a ser coberta pelas águas? Sítios arqueológicos?
Um sociólogo, portanto, que há alguns anos talvez fosse considerado um profissional com menos oportunidades de trabalho, torna-se valorizado numa economia globalizada em que a engenharia é contextualizada e precisa responder a questões que se colocam socialmente.
Raciocínios semelhantes podem ser aplicados em inúmeros setores, aparentemente condenados a ficar na 'velha economia' ou mesmo a ser destruídos pela 'nova'. O jornalista, por exemplo, torna-se nos novos mercados da Internet um 'diretor de conteúdo'. A figura do 'velho jornalista' já não existe: jovens informatizados ocupam as redações dos jornais e os sites da Internet.
Obviamente seria impraticável, num texto que pretende ser conciso, examinar caso a caso as centenas de transformações que ocorrem nas condições de trabalho, nessa nova rede de conhecimento, que cresce dia a dia, em todo o mundo.
Essa enorme rede não tem um governo centralizado, o que é bom, pois ampliam-se as oportunidades de expressão e criação. Mas é também ruim que não haja a devida regulação, por exemplo, quando se trata de controlar abusos ou de criar condições socialmente adequadas de uso de redes de informação e comunicação.
Para cada profissão ou área de conhecimento abre-se, nos dias atuais, o desafio de se tornar intensiva em conhecimento. Esses esforços multiplicados mundialmente podem resultar num mercado de proporções literalmente planetárias ao qual se pode ter acesso da sala de casa.
Para que esse enorme potencial vire realidade, é preciso ampliar o acesso, sobretudo em comunidades carentes ou países menos desenvolvidos, como o Brasil, a redes de transmissão de informação e conhecimento. Nesse sentido, a nova economia em nada difere da velha: enquanto houver exclusão, desigualdades sociais, restrições sociais e políticas, o tamanho do mercado estará limitado pela baixa qualificação da população.
Autor: Gilson Schwartz
Editora: Publifolha
Páginas: 112
Quanto: R$ 18,90
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou no site da Livraria da Folha
Fonte: Folha Online extraido do site: http://www1.folha.uol.com.br/folha/publifolha/ult10037u351846.shtml
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